A ATREVIA Brasil conversou com o professor e sociólogo Sérgio Lage Carvalho, coordenador de Pós-Graduação da ESPM, sobre o comportamento e consumo das pessoas diante a pandemia do COVID-19.
P | Qual a principal mudança que você tem notado no comportamento das pessoas diante da pandemia do COVID-19?
R | Se pensarmos a curto prazo, o que mudou nos últimos 30 dias são algumas manifestações. Por um lado, uma vontade de ajudar, um crescimento da empatia e da busca de solidariedade, mas existe uma grande parcela da população que, neste momento, a sensação é muito mais de aflição, de medo e de desesperança. Então há uma série de comportamentos colaterais: um esgotamento mental causado por um excesso de ansiedade, uma necessidade de repensar sua vida e, dentro do possível, ajudar as pessoas. Mas você também constata o melhor e o pior do ser humano, um instinto de sobrevivência e até egoísmo. Quando você vê pessoas correndo para farmácias, supermercados tentando abocanhar o máximo de itens para levar para suas casas, isso revela quase um instinto animal, mas que poderia ser controlado com um pouco mais de racionalidade e altruísmo. oda vez que acontece algo que provoque essa sensação calamidade pública, vulnerabilidade, luto ou até desastre natural, sejam replicadas nas redes sociais ou mesmo pelas mídias, há um grupo que se dispõe em ajudar e o outro preocupado em se salvar.
P | E as marcas? Você acredita que as ações realizadas estão impactando as pessoas?
R | Pelo menos o que vejo na mídia, é muito mais a sociedade civil, grupos sociais que estão se organizando, algumas vezes com apoio de alguma marca ou empresa, mas muitas vezes são iniciativas individuais. As marcas já vêm há algum tempo trabalhando com o pilar do propósito, da causa, da representatividade, mas tenho visto poucas ações práticas neste momento. Primeiro porque tem que ser muito bem feito, pois do contrário fica aparecendo uma prática oportunista. Lá fora eu vejo muito mais as empresas se empenhando de forma mais direta. Aqui acredito que estejam ainda tentando se posicionar e ver o que irá acontecer nas próximas semanas.
“Às vezes, muitos pensadores, de vários campos, estão tentando decifrar o comportamento humano a partir desse primeiro mês, do final de fevereiro pra cá, quando tudo isso saiu da Ásia, mais especificamente da China, e começou a atingir a Europa e os demais continentes. A ficha está caindo agora. Esse cenário está apenas começando. A primeira onda está crescendo e está nos assustando, e não sabemos se é um tsunami ou não.”
P | As pessoas irão mudar o modo de consumir? Ou isso já vinha acontecendo?
R | Eu acredito que ainda não. Há alguns casos isolados de empresários e marcas que têm manifestações que acabam chocando a opinião pública. E como ainda há uma disputa muito grande de grupos nas redes sociais, esses pronunciamentos e ações acabam ganhando uma escala maior. As pessoas exploram isso de ambos os lados. Mas voltando um pouco na primeira questão, eu acredito que ainda a principal necessidade é a sobrevivência. As pessoas estão sendo de um lado mais racionais, no sentido de o que eu posso e devo gastar, frente a um cenário onde a renda e o trabalho podem estar comprometidos. Então grande parte das famílias foram pegas de surpresa, elas não tinham uma reserva, e dependem basicamente dos seus salários, e não sabem como isso vai ficar.
As pessoas estão indo às compras em supermercados, cozinhando mais em casa e, nesse aspecto, as motivações de compra e consumo são muito mais no sentido de “preciso me isolar, me garantir, manter minha sobrevivência e da minha família”. Vemos que o varejo geral teve uma queda de 80% nas últimas semanas. As pessoas pararam de comprar bens duráveis, tecnologia, roupas, e estão gastando mais com alimentação, tentando pagar suas contas e poupar alguma coisa esperando um cenário mais sombrio que possa vir pela frente.
A economia social, colaborativa, a necessidade de repensar suas práticas de consumo vai ser uma decorrência natural. E esse fenômeno vem ocorrendo desde a década 00, e com a crise de 2008 isso se acirrou. As pessoas têm usado mais aplicativos, redes sociais, buscando soluções ou estimuladas a buscar soluções com o comércio local, com o pequeno produtor, em compartilhar mais.
Acredito que o que vá crescer muito nesse primeiro momento não é uma economia de compartilhamento, pois as pessoas ainda não têm insegurança de comprar do outro e fazer algum tipo de escambo, isso vai acontecer mais adiante. O que você começa a perceber é que as pessoas estão se dando conta que as coisas terão que durar muito mais. Então, o que pode acelerar nesse momento é a economia circular, o consumo autoral, e fazer com que as coisas tenham uma sobrevida, que possam ser recicladas, repensadas. E em um segundo momento isso sim vai se tornar mais pronunciado.
“As pessoas estão usando mais a voz e recursos de vídeo para interagirem socialmente pois muitos estão distantes de seus familiares. Antes elas não queriam ligar umas para as outras, agora não, está mudando.”
P | A modernidade e tecnologia trouxeram a individualidade e a solidão. Pessoas se fecharam em seus celulares e redes. A pandemia acabou mudando isso, fazendo com a que a tecnologia aproximasse as pessoas de alguma forma?
R | Sim, antes você tinha esses recursos e dispositivos tecnológicos como facilitadores e mediadores das relações pessoais, mas existiam a autonomia e liberdade para poder encontrar as pessoas no trabalho, nas ruas e nos eventos. Hoje, elas estão se relacionando com a internet e as redes sociais de uma forma um pouco diferente. Agora esta é a única oportunidade de poder acessar o mundo. A dependência é muito maior, seja para o trabalho, interações pessoais ou fazer compras. Podemos notar que a internet e as redes sociais não são apenas para os momentos de micro tédio, ou para motivações de caráter recreativo. As pessoas estão utilizando a rede e os aplicativos como um serviço, buscando a realização de tarefas, de uma forma mais utilitária e funcional. Mas, ao falarmos sobre a solidão, vejo que ela é compulsória. Não porque as pessoas querem estar sós, mas por elas refletirem sobre o melhor e o pior do isolamento. Como essa questão afeta as relações pessoais, familiares e psíquicas. É um momento de aprendizado.
P | As escolas e universidades, assim como outros segmentos, estão em recesso. Vocês estão realizando aulas on-line? Como está sendo a participação dos alunos? E como educadores, você e a ESPM, têm um plano de retomada?
R | Algumas instituições particulares não tinham know-how e tecnologia para aulas à distância. Conheço várias instituições que ainda estão tentando se organizar, pois as primeiras semanas foram muito confusas e está ocorrendo um crescimento do cancelamento de matrículas principalmente por fatores econômicos além da falta de adaptação de muitos alunos com este novo formato de aula. Na ESPM, e algumas instituições, por já utilizarem muito as ferramentas e ambiente de EAD, tiveram menos impacto. Estamos com feedback positivo por parte dos alunos, pois a escola e os professores já tinham essa expertise.
O que a gente percebe também é que, é claro, os alunos que estavam no presencial, grande parte não tinha feito cursos ou ensino à distância. E quando eles degustaram e perceberam que a ferramenta, o ambiente e a metodologia de aula rendiam, eles começaram a perceber que era muito mais prático e conveniente. Não ter a necessidade de deslocamento, e que podem participar ainda mais. Muitos deles, e eu escuto isso de muitos alunos, falam que havia um certo pré-conceito de que a aula EAD não funcionaria.
Agora temos que perceber que houve uma mudança de mind-set em termos educacionais. Talvez com isso, mais adiante, muitas pessoas irão optar por cursos EAD por serem mais econômicos e por verem que funcionam e atendem suas expectativas.
O que eu acredito é que, se os números do governo, dos órgãos de saúde pública, e os próprios profissionais da área de matemática e estatística estiverem certo, a gente ainda vai ter um pico de contaminação pelo Coronavírus até o final de maio. Junho ainda vai ser um mês difícil, com casos e mortes. Então, se as pessoas fizerem a coisa certa, talvez tenha uma possibilidade de retomada para o segundo semestre, antes de julho não. Se tudo der certo uma possível volta às aulas em agosto, mas como isso será feito eu não sei.
Talvez as instituições privadas vão ter uma facilidade maior e possam usar o método blended, com parte das aulas presenciais e outra parte online. E repensar a sala de aula, o espaçamento estre as pessoas, a necessidade de maior higienização.
“Ainda estaremos em ambientes com pessoas muito inseguras. Será uma série de sentimentos mistos que teremos que buscar um equilíbrio. As pessoas estão tentando ver dentro do possível, as frestas de luz que existem e quais são as novas que irão se abrir para poderem, mais adiante, buscar essa luz.”
Download do artigo, aqui.