“Poderemos, no Futuro, estabelecer que esta crise reforçou um antes e um depois para a perceção de “Aldeia Global no setor da saúde” , na interdependência das sociedades humanas no planeta e, espero, que possa promover uma visão holística dos fenómenos de doença.”
Paulo K Moreira, Editor-in-Chief do International Journal of Healthcare Management (Taylor & Francis, Oxford, UK), Doutor em Health Management pela University of Manchester (UK), ex-Diretor Adjunto de Unidade do ECDC (responsável pelo apoio aos governos Europeus em crises de Saúde Publica) refere que a crise decorrente do COVID-19 reforça a alteração na perceção de “Aldeia Global no setor da saúde” ao nível da interdependência das sociedades humanas no planeta e considera fundamental a promoção de uma visão holística dos fenómenos de doença. Paulo Moreira, que atualmente é também consultor do Governo Chines, diz que os governos Europeus não se prepararam atempadamente para esta pandemia, ignorando a experiencia chinesa, e que nem na iminência da maior crise económica Europeia desde a fundação da UE, vemos a solidariedade entre nações.
P | Que papel devem ter os laboratórios farmacêuticos perante a crise motivada pelo corona vírus?
R | Os grandes laboratórios já estão a ter um papel fundamental no desenvolvimento da vacina que deverá estar pronta em Outubro de 2020, de acordo com a ideia que circula entre especialistas, no Reino unido.
P | A seu ver, como estão a viver esta crise as empresas farmacêuticas?
R | Com apreensão, mas também compreendendo a sua responsabilidade social e obrigação de contribuir para encontrarmos soluções.
P | Neste momento quais são as regras base para gerir uma empresa no setor farmacêutico?
R | Terá que ser em modo de crise. O fundamental será entender as oportunidades e as ameaças que a atual situação criou. Crises de Saúde Publica deste tipo já aconteceram antes e vão voltar a acontecer.
P | Vai existir um antes e um depois para a industria farmacêutica/área da saúde após esta crise?
R | Poderemos, no Futuro, estabelecer que esta crise reforçou um antes e um depois para a perceção de “Aldeia Global no setor da saúde” , na interdependência das sociedades humanas no planeta e, espero, que possa promover uma visão holística dos fenómenos de doença. Mas, a experiência passada também recomenda um otimismo moderado, pois as nações continuam centradas no seu interesse nacional e as elites económicas na defesa dos seus interesses parciais.
P | Neste contexto de crise, como deve ser a relação entre a saúde pública e a saúde privada?
R | Nesta crise, como em todos os restantes contextos, terá sempre de ser de cooperação e partilha de recursos. Sempre foi assim e esta crise terá apenas reforçado essa constatação.
P | O que devemos aprender para o futuro?
R | O que não aprendemos apesar das crises passadas do H1N1, do Ébola, da SARS, e outras. Ou seja, que o excesso de cobertura mediática será sempre contraproducente, por exemplo. Também devemos lembrar-nos que o oportunismo politico não pode ser aceite, que os governantes são medíocres e tomam medidas por imitação do que fazem os governos vizinhos e que estão mais preocupados com as sondagens de popularidade para não serem acusados de “não terem feito tudo ao seu alcance” do que em tomar medidas equilibradas e adaptadas aos contextos nacional, regional e local. Curiosamente, ontem mesmo o CDC nos EUA, através do discurso escrito e lido pelo Presidente Trump, iniciou a disseminação dessa perspetiva entre a sua opinião pública. Temos que ver a situação de “containment” na sua base e realidade local e regional, abandonando a visão medíocre de “uma solução igual para todos”. Na prática isto vai implicar o eventual regresso à normalidade em alguns estados (na verdade em mais de 30) e a manutenção de algumas medidas de restrição em alguns estados ou cidades, tal com fez a China. O que me chocou muito na Europa, sendo eu consultor de entidades governamentais na China, foi o facto de os governos Europeus terem demonstrado profunda arrogância e eurocentrismo ao ignorarem a experiência chinesa e não se terem preparado logo em meados de Janeiro, iludidos com a hipótese de o problema não os afetar ou de que seriam capazes de encontrar melhores soluções que as praticadas pelo governo chinês.
P | A resposta por parte da União Europeia para fazer face a esta crise, parece-lhe a mais acertada?
R | De forma alguma. A visão dogmática do Grupo de gestão dos interesses da moeda única, continua a dominar todas as politicas Europeias. Nesse plano, vejam a diferença nas medidas de apoio a economia, a pessoas e a empresas, anunciadas pelos EUA. Há uma enorme diferença entre “linhas de Financiamento a juro reduzido”, a perspetiva Europeia, e “linhas de Subsídios sociais e empresariais”, a perspetiva dos EUA, que deve também ser seguida pelo Reino Unido. Nem na iminência da maior crise económica Europeia desde a fundação da UE, vemos a solidariedade entre nações. Vemos apenas o oportunismo do costume em que alguns países procuram ver como enriquecer ainda mais com a crise que se avizinha.
P | Existe a necessidade de um plano mais integrado e concertado para a Europa?
R | Existiria se fosse possível faze-lo sem esmagar os interesses dos países mais pequenos e pobres. As pessoas mais atentas e qualificadas, por certo, notam que há uns poucos países que enriqueceram para além do imaginável com o projeto Europeu e que um grande numero de países, pelo contrário, empobreceu para além do imaginável. Na perspetiva da saúde publica e na corrente crise, apesar de tudo, a coordenação tem-se dado através da imitação de medidas entre governos. Parece tudo coordenado, não parece? Mas não. Os governos limitam-se a imitar o governo vizinho contextualizando uma ou outra medida. A questão da integração, porém, tem um diferente enquadramento. A União Europeia tem uma agência, o ECDC (onde trabalhei), que deveria integrar e coordenar a resposta Europeia. Porém, por motivos vários, acabou por ficar sem qualquer papel de relevância nas crises de saúde publica na Europa, sendo atualmente percecionada no Parlamento Europeu como apenas uma entidade geradora de despesa no Orçamento Europeu que tem tido dificuldade em justificar, sequer, a sua existência.
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