O Presidente da ANMSP alerta para o volume da informação falsa altualmente a circular, muito devido ao papel das redes sociais. Temos de “ter cautela e assegurar que partilhamos informação segura e validada cientificamente”, sob pena de pôr em risco a saúde das populações.
P | Acredita que a Saúde Pública enquanto especialidade médica será encarada de outra forma daqui em diante?
R | Somos uma especialidade envelhecida, mas que tem sofrido uma enorme renovação nos últimos anos, e, portanto, contamos com a experiência dos mais velhos e com a motivação e inovação dos mais jovens para fazer uma transição importante. Temos há longo tempo uma perceção de que a Saúde Pública era encarada de forma diferente das outras especialidades e temos vindo a fazer um percurso que tem mudado essa realidade. Há cada vez mais Médicos de Saúde Pública a ensinar nas Faculdades de Medicina. Seria impensável ter um Dermatologista a ensinar Cardiologia ou um Pneumologista a ensinar Gastroenterologia, mas há múltiplos exemplos de outros Especialistas responsáveis pela Saúde Pública. E por outro lado, também do ponto de vista da população também temos vindo a ter outra visibilidade e, portanto, acaba por haver um maior reconhecimento.
P | Quais os grandes desafios de comunicação que se têm colocado ao longo deste período?
R | Comunicar risco é sempre difícil. Fazê-lo num contexto de incerteza é ainda mais complexo. Com o mundo globalizado e com a informação a fluir tão depressa é uma tarefa hercúlea. Nem sempre tem sido fácil lidar com esta maior exposição mediática, respondendo às diversas solicitações, e simultaneamente manter o resto do trabalho. Os Médicos de Saúde Pública sabem que comunicar com a população faz parte do seu trabalho e portanto acaba por ser importante utilizar os diversos meios e recursos. Estamos agradecidos aos órgãos de comunicação social por terem também dado este espaço à Saúde Pública para transmitir mensagens importantes, que levem as pessoas a adoptar comportamentos mais saudáveis e seguros.
P | No que respeita à comunicação, que aspetos considera que foram melhorados em relação a crises de Saúde Pública do passado?
R | Tem havido muita comunicação, mas nem sempre quantidade é igual a qualidade. Um dos aspectos que tem sido interessante é ver a discussão sobre indicadores de saúde chegar à população, como se fosse a classificação dos clubes de futebol. O debate que se tem gerado em torno do R é disso exemplo. E que tem contribuído para que haja uma maior percepção que é importante apostar em literacia científica e de saúde. Por outro lado, o espaço mediático está praticamente tomado por assuntos relacionados com COVID, o que tem ocultado a preocupação com outras doenças, que seguramente não desapareceram durante a pandemia. E portanto temos que passar a mensagem que as pessoas podem e devem continuar a recorrer aos Serviços de Urgência como sempre fizeram, a vacinar-se (principalmente as crianças) e a manter a vigilância do seu estado de Saúde.
P | Em que medida as fake newsprejudicam a informação que se pretende transmitir, a perceção de risco pela população e são uma ameaça à Saúde Pública?
R | Sem dúvida que neste mundo globalizado em que as redes sociais têm um peso muito grande na divulgação da informação, o volume de informação falsa a circular é enorme. E portanto temos todos que ter cautela e assegurar que partilhamos informação segura e validada cientificamente. Porque os riscos para a Saúde das populações são reais. Desde o consumo de medicação de forma indiscriminada até à adopção de comportamentos de risco. Muito recentemente tive oportunidade de assinar uma carta, conjuntamente com 100 profissionais de saúde de todo o mundo, para exigir às redes sociais (e aos seus CEO) a adopção de medidas mais vigorosas no combate às notícias falsas [ver aqui]. E num Webinar com o Mark Zuckerberg tive também oportunidade de colocar uma questão nesse sentido [ver aqui]. A própria OMS reconheceu desde logo que estamos perante uma infodemia e criou uma resposta importante nesse sentido, como o site https://www.epi-win.com/
P | Acredita num “antes” e num “depois” desta pandemia?
R | Gostávamos todos de acreditar nisso. Que a longamente adiada Reforma da Saúde Pública avançasse. E que finalmente pudessem ser implementadas as 10 Operações Essenciais de Saúde Pública, conforme preconizado pela OMS. Que houvesse uma preocupação maior com a preparação para uma futura ameaça e que pudéssemos aprender com os erros cometidos agora. Sabemos que haverá mais pandemias no futuro e portanto esta preparação passasse a fazer parte das rotinas. Isto passaria por haver um forte investimento em recursos humanos, formação e equipamento. Este será o momento ideal para avançar nesse sentido, portanto espero que consigamos ultrapassar a inércia.
Por outro lado, a capacidade de mobilização da sociedade civil foi extraordinária, o que nos leva a pensar que, se todos nos unirmos, conseguimos fazer coisas fantásticas e que têm um impacto real na vida das pessoas. Se o pudéssemos passar a fazer de forma mais regular, seria um passo fundamental para um país melhor.
Download da entrevista, aqui.