O ecossistema empreendedor nacional tem sido um polo de tecnologia e inovação em Portugal. A ATREVIA conversou com Paulo dos Santos, presidente da Comissão Executiva da RIERC (Rede de Incubadoras de Empresas da Região Centro), presidente da Mesa da Assembleia Geral da Tecparques e Diretor de Incubação e Aceleração do IPN (Instituto Pedro Nunes) em Coimbra, para perceber como a pandemia está a afetar as empresas.
P | O ecossistema empreendedor nacional tem sido a força catalisadora da inovação tecnológica portuguesa, fazendo o devido transfer para a economia. Será este um momento que marcará o desenvolvimento tecnológico do país?
R | Estou convicto que sim. Se há algo a retirar de positivo desta situação é o impulso significativo que veio dar à digitalização das nossas empresas, mas não só, também das famílias, escolas, setores da economia social, entre outros. Acredito que este impulso terá uma repercussão importante na adoção futura, pós COVID19, das novas tecnologias na generalidade dos diferentes setores da economia nacional e isso abrirá imensas novas oportunidades para as start-ups tecnológicas e conduzirá ao aumento da produtividade e competitividade geral da nossa economia.
P | Como estão a ser impactadas as startups incubadas no IPN?
R | Temos cerca de 150 startups e scaleups sob contrato nas nossas Incubadora e Aceleradora, as quais temos vindo a acompanhar de perto no sentido de perceber como esta situação as está a impactar. De uma forma geral, o universo das empresas apoiadas nas modalidades de Incubação Física, Cowork e Aceleração, apresentam uma boa resiliência, traduzida numa boa capacidade de adaptação às circunstâncias do isolamento social imposto e numa saúde económico-financeira que lhes permite, pelo menos no curto prazo, resistir ao importante decréscimo de atividade que a maioria observou no período já decorrido e que, se antecipa, possa prolongar-se por mais alguns meses.
Fatores que contribuem para esta capacidade de adaptação e resistência são, desde logo:
-A facilidade de transição para o teletrabalho para a generalidade das empresas tecnológicas;
-O facto de muitas empresas serem empresas “de produto” que beneficiam de rendimentos recorrentes derivados de licenciamento dos mesmos aos seus clientes;
-Algumas empresas dispõem de apoio de investidores institucionais, capitais de risco e business angels na fase de arranque ou aceleração em que se encontram;
-Muitas empresas estão a desenvolver produtos ou serviços no âmbito de projetos co-financiados do PT2020; H2020; ESA BIC, etc… que lhes possibilitam a imputação de recursos humanos e um maior foco nos mesmos, nesta altura.
-As entidades pagadoras de incentivo tem flexibilizado um pouco e acelerado a análise de pedidos de pagamento ajudando mitigar um pouco o impacto negativo na tesouraria dos beneficiários.
Não quero que se fique com a ideia que é tudo um mar de rosas, pois existem casos bastante difíceis, mas sim, no geral, e por comparação com empresas de outros setores, as da nossa comunidade estão, pelo menos para já, a adaptar-se e a resistir melhor.
“Penso que todos ganhámos mais e melhor consciência, durante esta fase de isolamento social e abrandamento da atividade económica geral, em todo o mundo (…)”.
P | A História contou-nos que as grandes crises também trazem novas oportunidades, ao dia de hoje consegue vislumbrar quais serão os setores que poderão potenciar este desafio?
R | Desde logo o setor da I&D na área da saúde humana, nomeadamente no desenvolvimento de vacinas, medicamentos e dispositivos médicos, bem como na parte clínica e assistencial serão áreas que sairão mais fortes desta crise, pois acredito que os Estados de todo mundo irão rever em alta os investimentos nestes setores vitais para a vida das populações. Outras áreas em que espero e desejo ver um impulso significativo são as chamadas economias verde, economia azul, economia circular, etc.. Penso que todos ganhámos mais e melhor consciência, durante esta fase de isolamento social e abrandamento da atividade económica geral, em todo o mundo, que é fundamental mudar os nossos hábitos de produção e consumo no sentido de caminhar para uma economia mais justa e ambientalmente sustentável. E percebemos que é, sem dúvida, possível viver sem consumir tantos recursos do nosso planeta.
P | Eventos como a Web Summit têm catapultado as startups para um panorama mediático que até ao momento não estavam habituadas. Teme que este acontecimento faça com que o glamour em torno do empreendedorismo esmoreça?
R | Honestamente, penso que não. Antes pelo contrário, o empreendedorismo tem-se revelado fundamental para responder a esta crise. Temos podido assistir a isso mesmo com os milhares de iniciativas de empreendedores em todo o mundo com ideias e projetos ao nível do desenvolvimento de vacinas, medicamentos, equipamentos médicos, equipamentos de proteção individual, ferramentas digitais para facilitar o rastreio e monitorização da pandemia, ferramentas para facilitar o comercio às lojas mais tradicionais, etc… E não tenho dúvidas que o empreendedorismo em geral, tecnológico e não tecnológico, jovem e sénior, vai ser fundamental para a retoma da economia, não só durante, mas também no pós COVID19. Como sempre foi!
P | As incubadoras são um polo de conhecimento e inovação. Sendo o ensino, também ele, afetado, poderá estar comprometida a interligação / desenvolvimento tecnológico dos próximos anos?
R | Não me parece que isso ocorra. Os estabelecimentos de ensino, particularmente os do Ensino Superior, são dos que melhor e mais rápido se adaptaram à situação vigente. Sendo estes a principal fonte de recrutamento de potenciais empreendedores, tanto ao nível dos alunos como ao nível do corpo docente e investigadores, confio até, que esta situação seja um estímulo adicional para que a criatividade e o espírito empreendedor incrementem na academia e consequentemente a procura pelas incubadoras também aumente. Muito provavelmente passaremos a ter mais daquilo a que chamamos “empreendedorismo por necessidade” para além do empreendedorismo por vocação ou de perfil mais espontâneo, mas as Incubadoras em Portugal estaremos preparados para apoiar a todos.
P | As startups, apesar de desenvolverem serviços disruptivos, muitas das vezes não os sabem comunicar ao mercado. A pandemia poderá ser uma forma de melhorar a comunicação destas com os seus públicos, visto que grande parte da comunicação é hoje feita nas plataformas online?
R | Penso que a qualidade da comunicação por parte das startups é algo que tem vindo a melhorar bastante ao longo dos últimos anos. A melhoria das competências de comunicação e na área comercial tem sido das áreas mais trabalhadas por incubadoras, aceleradoras (e mesmo a montante nas universidades e escolas com a generalidade dos alunos). Mas é verdade que ainda não estamos ao nível dos países que lideram neste capítulo, como os EUA, UK ou Israel, por exemplo. A situação provocada pelo isolamento social impulsiona, sem dúvida, a aquisição de competências de comunicação digital, mas a generalidade das start-ups, sobretudo as tecnológicas, já tinham um bom ponto de partida.
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