
Rui Gaspar é Doutorado em Psicologia, especialização em Psicologia Social. Coordena a Licenciatura em Psicologia e a pós-graduação em Comunicação em Saúde Publica na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (UCP). É President-elect (2021-2023) da Society for Risk Analysis – Europe e membro do Conselho Científico – painel de “Comunicação de Riscos” – da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). A sua investigação aplicada centra-se na Perceção e Comunicação de Riscos Emergentes, e na Comunicação durante crises e eventos extremos, mediada por Tecnologias de Informação e Comunicação.
P | Neste contexto de pandemia, que papel deve cumprir cada um de nós enquanto cidadãos?
R | No contexto atual, devemos ser aquilo que as campanhas da Direção Geral da Saúde têm dito e que ganha mais força dia a dia: sermos todos “agentes de saúde pública”. É importante cada cidadão compreender que ao proteger-se, agora e no futuro, não protege apenas a si próprio mas também aos outros. E mesmo que possa de alguma forma minimizar o risco e considerar que para si é baixo, importa pensar que o mesmo poderá não acontecer com outros de quem esteja próximo, particularmente os mais idosos e/ou com condições de saúde que os deixem mais vulneráveis.
“O papel das instituições, neste âmbito, será o de partilhar informações credíveis de fontes de confiança oficiais que combatam a infodemia de notícias falsas ou incorretas e que ajudem os cidadãos a serem eles próprios comunicadores, através de estratégias de mobilização social.”
P | Como devem comunicar as instituições com os cidadãos durante este período de pandemia?
R | O papel de comunicar neste momento, não deve estar apenas nas instituições, mas também nos cidadãos. Cada um de nós deve ser também um “agente de comunicação em saúde pública”, porque nem todos na população poderão ter acesso a tecnologias de informação em comunicação, particularmente redes sociais e mesmo televisão. Portanto, importa comunicar e ajudar essas pessoas a protegerem-se, tendo a informação como uma ferramenta muito útil para esse efeito.
O papel das instituições, neste âmbito, será o de partilhar informações credíveis de fontes de confiança oficiais que combatam a infodemia de notícias falsas ou incorretas e que ajudem os cidadãos a serem eles próprios comunicadores, através de estratégias de mobilização social. Neste caso, a comunicação deve não só usar como recurso os meios de comunicação tradicionais e os novos meios digitais, mas também envolver cidadãos de comunidades locais, autarquias e municípios, autoridades locais de saúde, proteção civil e segurança, para que façam chegar a mensagem a quem por outros meios não as receba.
P | Como avalia a perceção do risco pelos cidadãos em relação à COVID-19? Já é possível tirar algumas conclusões?
R | A perceção de risco neste momento ainda se encontra naquilo que podemos chamar de nível vermelho, ou seja, encontra-se ainda elevada, tendo subido de forma marcada após a declaração do estado de alerta e posterior declaração de estado de emergência. No entanto, começam já a existir alguns sinais de que alguns cidadãos poderão estar a começar a atenuar o risco, considerando que o pior já passou. O pior efetivamente já passou, mas o perigo de contágio mantém-se, bem como o risco associado, pelo que há que manter todos os comportamentos de proteção.
P | Qual deverá ser o papel dos media?
R | O principal papel dos media é, por um lado, ser um canal de partilha de informação fidedigna de entidades oficiais, fazendo-a chegar ao maior número de pessoas possível e, por outro, serem comunicadores de ciência, traduzindo em linguagem simples e clara aquilo que por vezes poderá ser uma linguagem excessivamente técnica e com uso do “jargão” científico.
P | Acredita que vai existir um “antes” e “depois” desta pandemia? De que forma pode este período de confinamento alterar a forma como nos relacionamos ou percecionamos o mundo no futuro?
R | Acredito que vai existir um “antes” e um “durante”, dado que a realidade que teremos será parecida em muitos aspetos com a realidade que tínhamos antes, mas diferente também em muitos aspetos. Nos próximos meses ou anos, ainda estaremos num “durante”, o que não significa que devemos entender isso de forma pessimista. Significa apenas que viveremos durante um período de transição do anterior “normal” para o “novo normal”, que pode inclusivamente envolver encontramos estratégias eficazes para viver com o vírus de forma positiva e resiliente, independentemente de termos ou não vacina ou outros mecanismos sociais de controlo da pandemia.
Acima de tudo importa que retiremos aprendizagens deste período para o futuro e mantermos os comportamentos que adquirimos, não os perdendo (higiene das mãos, etiqueta respiratória, …). Dessa forma, estaremos melhor preparados para o futuro, seja ele com novas epidemias, seja ele com epidemias já familiares para nós, como a gripe sazonal. Se todos mantivermos estes comportamentos de proteção, é possível que consigamos ter melhores resultados, mesmo ao lidar com uma “simples” gripe sazonal, que nada tem de “simples” pois também é um risco para a saúde dos mais vulneráveis entre nós, que assim poderia ser reduzido.
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